Xela Arias. História de uma foto.

II EDICIÓN COCHES CLÁSICOS NO IRIXO

Não sabia que houvesse foto daquele 24 de maio do ano 2000, na galeria Sargadelos de Monforte, quando fóramos fazer uma homenagem poética a Lois Pereiro no seu quarto cabodano. Não sabia até que ma enviou Xosé Manuel Pereiro –há pouco mais de duas semanas–, perguntando-me se conhecia a data e o contexto. A foto passara-lha Cesáreo Sánchez Iglesias, captada de um original em papel, e achei decontado que era um feliz e importante documento. Eu lembrava bem aquela tarde, em especial a presença de Xela, polo que agora vou referir.

XUNTANZA DE CLÁSICOS NO IRIXO
Foto: arquivo de Cesáreo Sánchez Iglesias

Em 1998 falei com Xela para lhe dizer que musicara o poema que começa “Non é xusto”, do seu livro Tigres coma cabalos (1990), e de passo pedir-lhe o consentimento para o incluír no disco Río de son e vento em que estava eu a trabalhar com intensidade, o qual ia conter um total de quinze canções sobre vozes poéticas contemporâneas. Ela gostou muito da ideia, todo aconteceu com fluidez e o disco foi publicado por Xerais Media a fins do mesmo ano. Em 1999 saiu da mesma editora o livro de igual título, uma antologia crítica da poesia galega ao longo da sua história, onde Xela aparece representada com dous poemas: o anteriormente citado e o que começa “Cuestiono se é o tempo monocorde”, de Denuncia do equilibrio (1986).

Trás a saída da antologia, e para apresentar livro e CD, dei em organizar uma gira polas principais cidades galegas. Em cada espectáculo participavam poetas que eu antologara no livro, assim como o grupo musical que me acompanhava. A gira iniciou-se na Corunha e proseguiu durante o ano 2000 polas diversas localidades. Acordou-se que em Vigo estaríamos o 3 de abril, no Paraninfo da Reitoria da Universidade, onde Xela Arias ia participar recitando os seus poemas. Mas não pudo ser, pois foi o curso em que começou o seu trabalho docente, iniciado em Santa Comba e daí em diversos institutos longe de Vigo. Para mim foi um revés por um instante. Imaginava o momento de ela me ouvir cantar ao vivo o seu poema, que já conhecia polo disco. Mas era um dia de semana, segunda feira, e dixo-me que, sentindo-o muito, não podia faltar ao trabalho. À falta dela, estiveram os poetas Anxo Angueira e Román Raña, que recitaram os seus próprios textos com a brilhantez que os caracteriza.

No entanto, sete semanas mais tarde coincidimos em Monforte no recital de homenagem a Lois Pereiro. Voltamos, pois, à fotografia do início, onde estamos, de direita à esquerda, Antón Lopo, Miguel Mato, Marica Campo, Paco Salinas (ajoelhado), Pilar Pallarés, Manuel María, Cesáreo Sánchez Iglesias, Chus Pato, Xulio López Valcárcel, Xosé Manuel Pereiro, Xela Arias e quem agora escreve. Sei que foi naquela data (24-05-2000), pois assim o corrobora a consulta das minhas agendas, o mesmo que María Xesús Nogueira na sua edição de Xela Arias Poesía reunida.

Ao ver agora a fotografia a minha memória retrocede e situa-se naquele espaço-tempo como se fosse hoje. Estou a ver a mãe dos Pereiro, fondamente emocionada, e lembro que o dia antes estivera eu a compor uma música para um poema de Lois: Prayer, “Agora pecha os ollos e imaxina…” (Poesía última de amor e enfermidade). Interpretei-no no recital, ainda com alfinetes, e interpretei o de Xela, claro. Se não pudera estar em Vigo sete semanas antes, agora estava ali, igualmente por Lois, e Lois era um ímã que nos magnetizava a todas e a todos. “Non é xusto que destroce estas veces a balazos de confidencias…”. Pôr música ao verso de Xela supunha colocar-se na esfera transgressora do seu mundo poético, incluídas as fotos de Xulio Gil, que através dos espidos (mesmo dela), davam uma dimensão nova e de ruptura que escandalizou na época, provocando leituras diversas. O músico, por coerência e por amor à arte, deve também situar-se na vertigem que o obriga a ser fiel ao texto, igual que na poética de Lois, pois existe entre as duas vozes um certo elo de semelhança. E Xela gostou daquela música, algo que se parecia ao blues, algo que de algum modo tinha que transgredir.

Depois do recital fomo-nos fechando, cada um dentro da sua alta mar, como dizia Manuel Antonio em “Navy Bar”. Xela para Vigo, eu para a Corunha. Lembro a despedida e como se dirigiu à Ponte Velha, como Anglor, a princesa do rio, na névoa da ponte de Avignon. É a última imagem que tenho dela. Mas fica a música. Sempre.