César Morán Cantautor, compositor e escritor
O título poderia ser outro, pois quem se acha em estado crítico não é a música em abstracto, senão as músicas e os músicos. O certo é que na actual conjuntura, dezembro de 2020, este artigo tinha que ser algo diferente dos anteriores conforme os acontecimentos se foram desenvolvendo desde o início da pandemia.
Cada vez que um problema se dilata e chega a uma situação extrema é quando se vê e se compreende em toda a sua realidade. É uma constante histórica que podemos aplicar aqui e agora, num tempo em que a música ao vivo se encontra choída e acaso mais limitada que nunca.
Se durante séculos os músicos foram os bufões da corte, essa ideia perdurou em certa maneira até os nossos dias, música para entreter ou adornar eventos e discursos, ou mesmo outras artes vistas como primeiras.
Por outro lado, a música entra a miúdo nessa esfera da cultura que nem se compra nem se vende, pois deve ser gratuita, como se trabalhar trabalhassem os carpinteiros, os controladores do som e das luzes, os transportistas, mas as músicas e músicos gravitassem numa aura mágico-celestial que as mantivesse à margem do comércio.
Pode parecer surprendente, mas sabemos de que estamos a falar. Ainda em espectáculos benéficos tem-se dado o caso de terem a sua correspondência remunerativa todas as persoas que o fizeram possível menos as músicas e/ou artistas.
E noutra dimensão está o mundo musical que funciona irregularmente, constituindo, como se sabe –ou não se sabe– um dos espaços mais notórios da economia submergida. Nem será necessário esclarecer que esses espaços não se limitam a um âmbito concreto nem a um só tipo de música, pois qualquer instrumentista, cantor ou interviniente sabe como funcionam as cousas e o que é habitual.
Entre março e junho, nos dous meses e meio do mais estrito confinamento, semelhava que a gente ia comprender o valor da música como necessidade absoluta para viver. Dizia-se, por exemplo: “Como poderíamos suportar estes dias confinados se não fosse pola música?”. “Ainda bem que temos a música e as artes para sobreviver neste encerramento”.
E a música era omnipresente através das redes, e fazíamos música interactiva cada um desde a sua casa…, e a gente viu-na como um bem necessário e imprescindível. Mas todo ficou em nada. Agora a música esmorece trás as bambolinas mentres criadores e intérpretes malvivem sem trabalho e as salas vão fechando.
Centenares de concertos cancelados e adiados nem se sabe até quando, à vez que a precária situação laboral e contractual que já existia dificulta qualquer remédio paliativo
Parece que o sector estivesse demonizado. Antes se autorizam conferências e tertúlias que sessões musicais, quando não se detetaram contágios nos eventos realizados. O público nos concertos das sinfónicas não pode ultrapassar as trinta persoas em recintos para vários milhares, o que contrasta com o culto nas igrejas e o ambiente saturado dos centros comerciais. That is the question.
(Artigo publicado no número 429 de Sermos Galiza, semanário de Nós Diario, o sábado 26 de dezembro de 2020)
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