O Idioma da Música: A Língua do canto

César Morán Cantautor, compositor e escritor

A música é um idioma em si mesma. Sabemo-lo. Possivelmente o idioma mais abstracto e mais puro. Pode transmitir emoções e estados anímicos impossíveis de transcrever em palavras. Quando ouvimos música sem texto, às vezes perguntamos o que significa a mensagem, e ainda sendo incapazes de dar uma resposta objetiva, não há dúvida de que se evidenciam os elementos do circuito comunicativo e a música chega a nós com as suas vibrações e até pode modificar o estado e o funcionamento das nossas vidas.

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Quando se juntam música e linguagem oral articulada temos a canção, o hino, a ópera, a polifonia coral e outras formas em que intervém a voz humana e o que se chama “língua” ou “idioma”. Certo que nalguns casos esta voz funciona apenas como um outro instrumento a se sumar no grupo ou orquestra, sem a componente literária que lhe dá uma língua concreta, mas não é o caso deste artigo. Todas as culturas têm e tiveram sempre o seu canto, que é expressão da sua idiossincrasia, e desde antigo, ao não imaginarem nem de longe um mundo globalizado, cantavam na sua própria língua, a única conhecida e a única usada. Aí estão as kharjas moçárabes agochadas nas muwassahas árabes, o popular lirismo feminino que deu lugar às cantigas galego-portuguesas ou as “chansons de femmes” que deram a cansó provençal. E se uma língua ou uma cultura adquiria um reconhecido prestígio, era normal que outros forâneos trovassem nessa língua, como o Rei Sábio e outros “decidores”, que dizia o Marqués de Santillana, trovavam em galego. Esta preponderância vai normalmente ligada a hegemonias políticas e socioeconómicas, e isso é o que temos com o inglês no último meio século.

Ninguém se surprenda se digo que o espalhamento internacional da música em inglês é um fenómeno recente. Ao longo do século XX foi-se conhecendo a música negra americana nos géneros do jazzbluessoul e rhythm and blues, e não é até os anos 60 que o fenómeno começa a se implantar em países europeus, coincidindo –não por acaso– com o processo em que o inglês vai ocupando os espaços que até a altura ocupava o francês como língua comercial, e daí como língua franca. A música em inglês veremo-la mais implantada no passo do milénio, coincidindo porém com a emergência das culturas assiáticas.

E como é que isto repercute no nosso fazer musical? Na Espanha de fins dos 60 era habitual traduzir os grandes hits de Beatles ou Rolling Stones (“Submarino amarillo”, “Todo negro”), o que uma década mais tarde se veria ridículo, entrando já na onda de fazer música em inglês porque “soa melhor”. Os franceses não têm nengum problema em versionar as canções inglesas, o que também se pode detetar em Portugal, país onde se observa uma grande facilidade para falar inglês. Imperam demais os preconceitos. Na Galiza, como noutras sociedades dependentes, o problema é duplo, pois cantar em galego era (e é) “desmarcar-se” do inglês e do castelhano. Mas seja qual fôr o tipo de música, não é certo que em inglês soe melhor. Soa diferente.