César Morán, Cantautor, compositor e escritor
A pandemia preside e condiciona todo, também a música. Na Corunha seguimos “perimetrados” e as possibilidades de saír dependem de uma licença por causa justificada. Os concertos desde março estão cancelados ou no melhor dos casos adiados… E de repente salta a nova. Ainda que pareça insólito o vinte e seis de dezembro fomos a Vilar de Santos. As cousas vêm quando menos as esperas em vez de virem quando mais as desejas. E é verdade. Havia tempo que queríamos ir à Arca da Noe, mas nunca imaginamos que ia ser dessa maneira, concerto adiado de há três meses, avisado três dias antes dentro da Rede de Música ao Vivo, concerto sem público, emitido ao vivo em streaming para ficar on line…
Foi lindo ir à Arca da Noe numa manhã fria e soalheira. Por esse espaço rural passam artistas várias, músicas de todos os estilos, com muito nome ou sem tanto, e isto é possível desde que Noemí Vázquez se lançou a um projeto tão inovador como autêntico: criar um entorno de cultura estável no rural. Para ir a Vilar de Santos é preciso atravessar o país de norte a sul, e embora hoje as autovias reduzam as distâncias, é inevitável sentir na velocidade as cores da paisagem, coroar o alto de São Martinho, passar Arenteiro e Minho e penetrar na Límia onde tão próximo fica Portugal. Chegar é visionar a aldeia de pedra onde se abre para nós a taberna do evento. É meiodia e a lenha aquece um espaço ainda frio mentres fazemos a montagem. Fóra é todo uma beleza que ainda se sublima com um copo na mão degustanto o sol de inverno e uma arquitetura popular bem conservada.
Atuar sem público nunca é de todo verdade. Está a gente ao outro lado da rede, alguém da aldeia que veu ajudar, à beira do lume duas ou três colegas que vão atuar depois, e está a Noe que não pára, igual que a Helena, moça bem novinha atenta a todo. Este tempo de máscaras impede ver o sorriso dos lábios, mas não a beleza e a louçania nos olhos da gente, e quando o fogo do lar atingiu a temperatura desejada nada pode evitar o melhor licor café do mundo e um vinho do Alentejo depois do canto.
Começa o espectáculo com dous ou três objetivos de cámara a filmar, mentres se olha ao fondo a claridade da porta e alguma silhueta camuflada no iris dos espelhos. Desde o palco concentras o som e a melodia nos contados olhares da taberna. É como buscar complicidade, esse alento que sempre se procura. Ouves a tua própria música refletida nuns corpos que abalam ou balançam, e é avondo para sentires que valeu a pena. A seguir recolhes instrumentos, amplis, cabos, deixando todo livre para o seguinte grupo.
Enfim, trabalho feito. Haverá que dar volta, não sem antes degustar os produtos da terra e comprar um licor de sabugueiro e um pão maravilhoso para levar. Ao saírmos vai entrando gente de idades diversas, aos poucos, em parelhas, leda como para uma festa. É meia tarde de sábado e a Arca da Noe funciona como lugar de encontro. Algum dia, quando isto passe, havemos de voltar.
(Artigo publicado no número 433 de Sermos Galiza, semanário de Nós Diario, o sábado 23 de janeiro de 2021)