O cantautor Fausto Bordalo, numa imagem sem datar.
O CANTAUTOR. O ARTISTA INESQUECÍVEL
Outro que se foi. O passado 1 de julho partia de madrugada o músico cantor Fausto Bordalo, uma referência no que chamam em Portugal canção de intervenção, mas não um qualquer, pois a sua qualidade artística ocupa um lugar preferente. Num dos textos dos últimos dias, o Sérgio Godinho diz que “inventou uma estética muito própria”, o que faz dele “alguém muito identitário”. Assim mesmo temos comentado a respeito de tantos cantores desde os anos sessenta, cujo interesse principal estava nas letras e o seu discurso reivindicativo. Mas de entre eles salientam os que ficam polo seu génio e grandeza artística. Eis o caso do Fausto.
Duas semanas atrás falávamos de cantautoras e cantautores numa análise reflexiva sobre o termo e o conceito. Aqui não temos dúvida. O valor dos textos da sua própria autoria, a autenticidade, o alento poético e o empenho comunicativo e transformador são qualidades inerentes à sua obra e o seu estar público. Daí agora o nosso brinde polo artista que se vai mas fica para sempre.
O seu primeiro EP, Fausto, data de 1969, e a partir daí começa a se associar com o José Afonso, José Mário Branco ou Luís Cília, sendo fundador em 1974 do Grupo de Acção Cultural – Vozes na Luta (GAC), com Afonso Dias, Tino Flores e o citado José Mário Branco. Sem contar singles e EPs, a sua discografia compreende doze álbuns de originais como Madrugada dos trapeiros (1977), Histórias de viageiros (1979), Por este rio acima (1982), Para além das cordilheiras (1987)…, até o último Em busca das montanhas azuis (2011). A crítica destaca Por este rio acima como o mais acabado e concetual, ainda que nalguns, como eu mesmo, seja Madrugada dos trapeiros o que nos deixa marcados. Foi ao longo dos oitenta quando ouvíamos o vinil dia após dia. Impossível esquecer “Se tu fores ver o mar, Rosalinda” –que muitos anos depois cantariam as minhas alunas nas aulas de português–, ou “As comissões”, “O varredor”, “Rosie” –essa beleza jogo de língua politonal de que tanto gostava o amigo Jose–, ou a “Cantiga do desemprego” e “Uns vão bem e outros mal” que interpretámos este 25 de abril no Circo de Artesãos para celebrar os 50 anos da revolução mais fermosa.
Porém, o primeiro conhecimento do Fausto foi no verão de 1977, naqueles primeiros tempos que seguiram à ditadura, quando na Corunha compartimos cartaz e palco na I Festa do Alento: Sérgio Godinho e Fausto, Bibiano com Suso Quiroga, Jei Noguerol e o nosso grupo Agra. Ia ser o sábado 20 de agosto no campo de futebol de Elvinha, mas choveu e foi adiado para o seguinte sábado 27 na Polideportiva de Riazor, do que guardamos memória. Hoje gostamos de lembrar aquela feliz coincidência.
O Fausto tocava a guitarra acústica com grande destreza, incorporando harmonias afro-brasileiras que às vezes sobrepunha ao “vira” e outros ritmos populares. Na última vez que o Zeca Afonso sobe a um palco, no Coliseu de Lisboa em janeiro de 1983, é o Fausto quem toca “Era um redondo vocábulo”. A arte compartida.
César Morán: Cantautor, compositor e escritor
Publicado no número 619 de Sermos Galiza, o suplemento cultural de Nós Diario, sábado 17-08-2024.
Outros artigos de César Morán :
César Morán: A “Música de Interiores”
César Morán: A “Sexta” DE Mahler
César Morán: “O último livro de Dylan”
César Morán: “As cores do son”
César Morán: “Hannover 20-4-70”
César Moran: “Os Quadros de MussorgskY”
César Moran: “Música em Luísa Villalta”
César Morán: “Os esquecidos setenta”
César Morán: “Pablo e Silvio, os dous “
César Morán: “O Bombardino de Charles Anne. O músico de Cunqueiro “
César Morán: “Compopstela, de Alfonso Espiño Louro “
César Morán: “Cantar nun concerto”
César Morán: “Parroquias tour” e saúde emocional
A opinión de César Morán: “A espera de Serrat”
A opinión de César Morán: “O mais parecido ao karaoke”
A opinión de César Morán: “Anacleto músico”
Passar, verbo (in)transitivo. De Mirasol a Vinicius
FRANCO BATTIATO: popular e experimental, na busca do transcendente
Xela Arias. História de uma foto.
Na taberna cultural da Arca da Noe