César Morán: “Os esquecidos setenta”

O que ficou oculto

César Morán: Cantautor, compositor e escritor

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Estivemos meu irmão e mais eu numa videoconferência a três com um colega de Madrid interessado na música dos setenta, os grupos, as ideias, as experiências, mesmo os que não chegáramos a gravar em tempo. Duas horas de conversa, e haverá segunda parte.

Ignoro o que a gente saiba do movimento contracultural na música nos últimos anos do franquismo, mas é fácil imaginar, pois ficou eclipsado pola posterior “movida” dos oitenta, surgida em “democracia”, em parte favorecida polos novos poderes públicos e que nada tinha a ver com o tema deste artigo.

Não estou a falar dos cantautores nem da música pop nem do folque americano adaptado aos modos peninsulares. Falo do rock, do jazz e da música livre, às vezes sem texto, que era rebelde em si mesma, e como expressão independente era também um exercício de liberdade. Naquela Espanha rância e puritana, vinham de contrabando as influências da música rupturista que as fronteiras nos negavam, e íamo-las buscar onde as houvesse.

Os grupos de rock na Corunha no início da década, onde havia excelentes músicos que depois tiveram diversas trajetórias, tocavam temas dos Rolling Stones, Creedence, Deep Purple, Beatles… Se querias criar e fazer algo novo precisavas referentes mais à mão. Era um caminho inexplorado que porém já se estava a produzir na Catalunha, e pontualmente noutros territórios do Estado. Só uma parte ínfima dos/as leitores/as saberá do que falo se digo “Eva-Rock” ou “Orquestra Mirasol”, por citar duas formações bem diferentes cuja existência nos fascinava. E para nós foi decissivo assistirmos a dous grandes festivais sem precedentes: as “15 horas Ciudad de Burgos 1975” e o “Canet Rock, 12 hores de música i follia.”, ambos no mês de julho, afastados apenas vinte dias, no ano em que haveria de morrer o ditador. Hoje falamos um pouco do primeiro.

O 5 de julho chegávamos a Burgos com credencial de imprensa cedida por Nonito Pereira, e assim pudemos conhecer os músicos e entrevistá-los: Lennox, o baixista de Alcatraz. Xavier Batllés, da Mirasol – que nos falava do free, do funky, da música negra, de Chick Corea e Ray Barretto, e da sua convivência com Víctor Ammann–. Joan Fortuny, saxo soprano da Companyia Elèctrica Dharma. Gualberto e o seu sitar. O ainda desconhecido Hilario Camacho –entranhável, falando do seu gato–. Triana e o seu flamenco-rock que tanto nos seduziria… E o mais impactante: Eva-Rock, audaz e irreverente na altura. Primeiro, o prazer e a honra de apresentá-los no palco, e a seguir o pasmo ante a música, o abraio ante a imagem e uma posta em cena espectacular. Viviam numa comuna em Fresno de Alhándiga. Eu nunca vira um grupo de hard rock ou heavy rock, e a dous metros de distância.

Foi histórico. Também o foi que as forças vivas não vissem com bons olhos tanta natural liberdade. Às cinco da manhã a Policia Armada desalojou-nos do vestíbulo da estação, e o sol já estava alto quando me despertou num banco de pedra, diante da Catedral.

(Publicado no número 540 de Sermos Galiza, o semanal de Nós Diario, sábado 11-02-2023)



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