UMA OBRA PLENA DESDE A ORIGEM
César Morán: Cantautor, compositor e escritor

Como todos os verãos, houvo concerto da Sinfónica na corunhesa praça de Maria Pita, fazendo parte das festas da cidade. A praça, ateigada de gente, acolheu o evento com o excelente som que propiciava o fazer técnico de Pablo Barreiro, e era tarde de estreia para o novo diretor titular da OSG, o também violinista Roberto González-Monjas, nado em Valladolid mas formado em Salzburgo e em Londres e com intensa trajetória europeia apesar da sua mocidade. O seu reconhecido carisma viu-se confirmado ao interactuar com a orquestra e com o público assistente, o que era visível nos acenos faciais e corporais ao dirigir e transmitir uma partitura sempre interiorizada.
No programa estava o Capricho espanhol op. 34 de Nikolai Rimsky-Korsakov e a suite Quadros de uma exposição de Modest Mussorgsky na versão orquestral de Maurice Ravel, e para além de ambos serem autores russos, existe ainda uma estreita relação entre eles, pois é conhecido o trabalho de Korsakov sobre os Quadros de Mussorgsky, sendo um dos primeiros em fazer arranjos para orquestra. Porém, também sabemos que foi a citada versão de Ravel de 1922 a que hoje se tem pola mais acabada e sublime.
Será oportuno lembrar que Mussorgsky escreve em junho de 1874 a suíte –em francês Tableaux d’une exposition– em lembrança do seu amigo o pintor e arquitecto Víktor Hartmann, falecido pouco antes aos trinta e nove anos de idade. Ele visita uma exposição dos quadros de Hartmann en março de 1874 numa galeria de São Petersburgo, e a seguir escolhe dez e compõe uma música para cada um deles. Além disso, introduz um tema comum (“Promenade”) que unifica a obra desde o início para se repetir com variações ao longo da obra. Trata-se logo de um passeio polos diferentes quadros que descreve em metáforas musicais, numa homenagem ao amigo artista.
Porém, a grandiosidade da obra orquestrada por Ravel não nos deveria afastar da versão original, que Mussorgsky escreve para piano, onde a sonoridade altamente expressiva nos leva já de início a uma orquestra que ainda não existe. Por outro lado, Rimsky-Korsakov, encarregado de editar os Quadros, recupera o manuscrito e realiza alguns trocos que talvez influiriam na versão orquestral de Ravel, se bem é certo que o músico do País Basco era bom conhecedor da linguagem de Mussorgsky.
Na segunda metade do século XX cresce o interesse pola versão original para piano, ao tempo que aumenta o afã de criar e modificar em diferentes linhas e estilos. Nós reconhecemos, e a muita honra, ter ouvido por primeira vez os Quadros no rock sinfónico de Emerson, Lake & Palmer, naquele memorável disco gravado ao vivo, Pictures at an Exhibition (1971), o terceiro álbum do grupo. Um verdadeiro sucesso musical em que o virtuosismo de Keith Emerson lhe permite manter em geral o conceito harmónico de Ravel, onde Greg Lake introduz uma voz antes ausente, e com quatro peças novas da sua própria colheita. Para ouvir, degustar e não esquecer.
(Publicado no número 570 de Sermos Galiza, suplemento semanal de Nós Diario, sábado 9-09-2023)
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