O TORRENTE EMOCIONAL DA PRÓPRIA MÚSICA
César Morán: Cantautor, compositor e escritor

Enquanto andamos a cismar nas reflexões de Luísa Villalta sobre o próprio significado da música, fora da sua função acompanhante de um texto ou como representação simbólica de histórias ou feitos humanos, chega à Corunha a grandiosa Sinfonia nº 6 em lá menor de Gustav Mahler, na qual o genial compositor já prescindira, como na Quinta, dos títulos descritivos, tentando que ao público lhe chegasse uma mensagem musical, no estrito senso, e não um discurso linguístico que desse sentido às progressões rítmicas, melódicas e harmónicas da obra. Mahler pretendia que a mensagem fosse a transmitida polos sons da orquestra, sem mais bagagem argumentativa. Ao prescindir da voz humana e de informações em títulos de movimentos, ficava só a música como significante a transmitir um significado.
Porém, Mahler não se livrou de que a Sexta fosse chamada a “Trágica”, na linha das sinfonias anteriores e posteriores. Todo respondia aos gostos da época, mas também ao torrente emocional da vida do compositor, apaixonado de Alma Schindler, com quem casou antes de compor a sinfonia que nos ocupa. A este respeito, não duvidamos da relação da música com a experiência amorosa de Mahler e as emoções convulsas num convívio conflitivo marcado por ciúmes tendo ao lado a magnética, complexa e sedutora personalidade de Alma. Mas acho que o maior volume de texto na crítica em geral está centrado nestas relações vitais, o que semelha excessivo, e mais ainda tomando das memórias de Alma as intenções de Mahler na totalidade da obra e no particular dos movimentos, o que resulta inevitavelmente subjetivo.
Os três primeiros movimentos foram compostos no verão de 1903, e um ano depois, trás o nascimento da filha Anna, o magnífico e poliédrico movimento final cujo remate “trágico” nos deixa sem palavras. A estreia demorou até maio de 1906, na cidade alemá de Essen e dirigida polo próprio Mahler. Nós queremos salientar a recente estreia na Corunha como projeto da OSG dirigida por Thomas Dausgaard, diretor principal convidado da Orquestra e Coro RTVE, que substituiu quase in extremis o doente Andrés Orozco-Estrada. Um concerto sublime nos contrastes de maior e menor e dos “soar forte” que Gustav queria aos pianos harmónicos.
O Allegro energico, ma non troppo sobrecolhe desde o início ao mostrar o conflito interno desde os compassos marciais até o lirismo campestre marcado polos chocalhos e uma celesta situada no centro do palco, para chegar à apoteose triunfal que não terá continuidade. A seguir soa o Andante moderato, seguindo Thomas Dausgaard o critério modificado de Mahler nos ensaios de Essen, frente à sua ideia primeira de colocar o Scherzo como segundo movimento. E a partir daí o longuíssimo Finale: Allegro moderato – Allegro energico, onde lirismo e dramatismo chegam ao limite. Trompas, percussão máxima e esses golpes de martelo que congelam o sangue, tanto como o final definitivo, que é trágico porque nos deixa sem saída.
O artigo foi publicado em Nós Diario o passado 4 de abril..
https://cesarmoranfr.wordpress.com/2024/04/15/a-sexta-de-mahler/
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