Teresa, Prudencia, Manuela e Adela, Pandeireteiras de Mens (1982)
Como é sabido, a Real Academia Galega dedicou o “Dia das Letras Galegas” de 2025 às cantareiras. Se entramos na web podemos ler o artigo de Antón Santamarina que intitula “Cantar para gañar galegofalantes”, polo que é de esperar que tal dedicatória contribua a acrescentar o número de falantes de galego, num tempo em que, apesar de medrarem as minorias conscientes, o uso global da língua está a diminuir de jeito alarmante.
Por outro lado, o artigo de Ana Boullón Agrelo (“Da tradición á vangarda”) salienta a escolha de “cantareira” como palavra do ano 2024, e precisa que este ano as Letras se dedicam à poesia popular oral, que de maneira simbólica e representativa se personifica em Adolfina e Rosa Casás Rama, de Cerceda, Eva Castiñeira Santos, de Mugia, e Manuela Lema, Teresa García Prieto e Prudencia e Asunción Garrido Ameixenda, integrantes estas quatro das Pandeireteiras de Mens (Malpica). É pois uma representação coletiva com a qual se pretende pôr em destaque a poesia oral anónima que persistiu e se desenvolveu na sociedade galega quando a partir do século XVI o galego foi afastado da escrita e dos registos cultos e formais.
Boas novas para celebrar e parabenizar as mulheres –também homens– que levam anos a defender, resgatar e interpretar todo o legado poético, musical e de baile em grupos, coros e associações culturais, num labor não só divulgativo mas também criativo. Porém, deveria ficar claro que, se são “Letras Galegas”, as coplas que se cantam são também em galego. É frequente escoitar na música tradicional cantares cuja letra é em boa parte em castelhano, argumentando que era assim como as informantes os cantaram nas recolhas, do qual não se duvida, mas o processo degenerativo da língua nos últimos douscentos anos –e ainda desde antes– amostra uma situação em que o galego é deglutido polo castelhano, e as cantareiras informantes de há meio século já não cantavam como as suas mães, nem estas como as suas, etc., e neste sentido todas as gerações são e foram vítimas do mesmo processo colonizador.
Isto não quer dizer que, a modo de cita, um cantar em galego não poda ter pequenas incrustações de outras línguas, mas ficando claro qual é a língua veicular da cantiga, essa pola qual a RAG acordou que lhe rindamos homenagem em 2025. Cada quem pode fazer o que quiser, com certeza, mas sem que ninguém se confunda sobre o que é a literatura galega, cousa que o professor Carvalho Calero deixou bem definido no seu dia. E a propósito, se os Cantares gallegos de Rosalia de Castro (1863), onde a autora bebe diretamente da poesia popular, foram fundamentais no “Rexurdimento” da literatura galega e no seu desenvolvimento posterior –como bem aponta Ana Boullón–, todos os cantares ou refrães populares em que Rosalia se baseia para compôr os trinta e seis poemas da obra estão obviamente em galego, e é por isso que a voz de Rosalia interaciona com a arte do povo até se confundir com ela. É a sua grandeza.
Publicado no número 655 de Sermos Galiza, o semanal de Nós Diario, sábado 26-04-2025.
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