A Festa Nacional
Escrevo no 14 de julho, que para nós não tem relevância, mas tem-na para os franceses. O Estado francês legou ao mundo, desde há mais de douscentos anos, o lema liberté, égalité, fraternité, de raízes antigas mas que se fizo emblemático desde a revolução de fins do XVIII. Como as palavras são moldeáveis segundo quem as utilizar, nada impede que esses ideais de liberdade, igualdade e justiça social em irmandade se exibam mesmo desde um poder pouco proclive a admitir as diferenças e o respeito às persoas, sejam quais elas forem. E é assim que o mesmo lema revolucionário serve para a defesa do centralismo e de um patriotismo militarista e guerreiro.
Sempre me chamou a atenção esse grau de patriotismo dirigido que se observa na França, e não apenas no 14 de julho. Uns amigos que estiveram alguns anos na França contavam-me que a professora do seu filho se escandalizava porque lhes mandara pintar um barco com bandeira (em francês “um drapeau”) e o neno pintava barcos com um trapo, que era como a ele lhe soava o tal “drapeau”, e a mulher chamou os pais porque não entendia o tipo de tara antipatriótica que lhe teria entrado ao cativo por algures. Mas para além da anedota, vejo agora na tele o impressionante desfile militar polos Campos Elísios publicitado como exibição de força e alianças um dia depois de Macron anunciar o incremento nas despesas de armamento em 6500 milhões de euros.



OS MELLORES ESTABLECEMENTOS
Porém, sempre houvo vozes críticas como a de Boris Vien em Le déserteur (1954), considerada a canção mais antimilitarista e pacifista –e que Oliver Laxe introduz no seu recente filme Sirât–, ou a de George Brassens em La Mauvaise Réputation (1952), assim como no cinema o filme mais antimilitar seria Paths of Glory (1957) de Stanley Kubrick, em cuja realização se empenhou decisivamente Kirk Douglas, o seu protagonista. Nós, naquela Espanha ainda do franquismo, conhecemos tarde o cantautor Brassens, mas já lhe escoitáramos cantar a Paco Ibáñez “Cuando la fiesta nacional / Yo me quedo en la cama igual, / Que la música militar / Nunca me supo levantar”. Era 1969 e Paco Ibáñez versionava George Brassens em castelhano, com tradução de Pierre Pascual, incluída “La mala reputación” dez anos depois no álbum Paco Ibáñez canta a Brassens (1979).
A estrofe original de Brassens era: “Le jour du 14 juillet / Je reste dans mon lit douillet / La musique qui marche ao pas / Cela ne me regarde pas”, com referência expressa ao 14 de julho (o dia da festa nacional francesa). Ou seja, tal dia fico confortavelmente na cama, pois a música de marcar o passo não vai comigo em absoluto. E vale a pena comparar as versões nos dous versos que seguem. Brassens canta: “Je ne fais pourtant de tort à personne / En n’écoutant pas le clairon qui sonne” (Não fago mal a ninguém / Ao não escuitar a corneta que soa), enquanto a de Paco diz: “En el mundo pues no hay mayor pecado / Que el de no seguir al abanderado”, versos que para nós têm uma força e um significado especiais.
(Publicado no número 668 de Sermos Galiza, o semanal de Nós Diario, sábado 26 de julho de 2025: p. 23)
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